O ex-ministro da Justiça e Segurança, Sergio Moro, afirmou em seu depoimento prestado no sábado (2), que recebeu uma mensagem de celular do presidente Jair Bolsonaro na qual ele teria afirmado expressamente que “queria” a Superintendência da Polícia Federal no Rio de Janeiro sob sua influência, sem explicar seus interesses específicos nesse cargo.
No depoimento, Moro detalhou as pressões feitas pelo presidente para trocar cargos da Polícia Federal desde agosto do ano passado, que incluíam mudar o superintendente do Rio de Janeiro e demitir o então diretor-geral Maurício Valeixo que foi exonerado sem o conhecimento do ex-ministro Moro.
“No começo de março de 2020, estava em Washington, em missão oficial com o Dr. Valeixo; que recebeu mensagem pelo aplicativo de Whatsapp do Presidente da República, solicitando, novamente, a substituição do Superintendente do Rio de Janeiro, agora Carlos Henrique; que a mensagem tinha mais ou menos o seguinte teor: ‘Moro você tem 27 Superintendências, eu quero apenas uma, a do Rio de Janeiro'”, relatou no depoimento.
Hoje, ao deixar o Palácio da Alvorada, o presidente voltou a negar que tenha tentado tentado interferir na Polícia Federal.
LEIA NA ÍNTEGRA O DEPOIMENTO DE SERGIO MORO
Na Superintendência da Polícia Federal em Curitiba no Estado do Paraná, onde presente se encontrava CHRISTIANE CORREA MACHADO, Delegada de Polícia Federal, Matr. 10.568, Chefe do Serviço de Inquéritos da Diretoria de Investigação e Combate ao Crime Organizado – DICOR, e WEDSON CAJÉ LOPES, Delegado de Polícia Federal, lotado no SINQ/DICOR, compareceu Sergio Fernando Moro, sexo masculino, naturalidade brasileira, casado(a), filho(a) de ODETE STARKE MORO e DALTON AUREO MORO, nascido(a) aos 01/08/1972, natural de Maringa/PR, instrução ensino superior – mestrado, documento de identidade nº XXXXXXXX SSP/PR, CPF XXX.XXX.XXX-XX. Cientificado acerca dos seus direitos constitucionais, inclusive o de permanecer em silêncio, inquirido a respeito dos fatos pela Autoridade Policial, RESPONDEU:
QUE tomou conhecimento pela imprensa sobre a determinação do Ministro Celso de Mello sobre a sua oitiva, tendo se colocado à disposição para prestar declarações, informando o fato à Polícia Federal;
QUE perguntado sobre sua definição sobre interferência política do Poder Executivo em cargos de chefia no âmbito da Polícia Judiciária, respondeu que entende que seja uma interferência sem uma causa apontada e portanto arbitrária;
QUE durante o período que esteve à frente do Ministério da Justiça e Segurança Pública, houve solicitações do Presidente da República para substituição do Superintendente do Rio de Janeiro, com a indicação de um nome por ele, e depois para substituição do Diretor da Polícia Federal, e, novamente, do Superintendente da Polícia Federal no Estado do Rio de Janeiro, que teria substituído o anterior, novamente com indicação de nomes pelo presidente;
QUE, durante sua gestão, apenas concordou com a primeira substituição, pois, circunstancialmente, o Superintendente do RJ, RICARDO SAAD, havia manifestado interesse de sair, por questões familiares, e a sua troca já estava planejada pelo Diretor Geral, sendo nomeado um nome com autonomia pela própria Polícia Federal, o que garantia a continuidade regular dos serviços de Polícia Judiciária;
QUE na sua gestão preservou a autonomia da Polícia Federal, em relação a interferência política e pediu demissão no dia 24 de abril de 2020, com o mesmo objetivo;
QUE durante a sua coletiva ocorrida em 24 de abril de 2020 narrou fatos verdadeiros, cujo objetivo era esclarecer os motivos de sua saída, preservar autonomia da Polícia Federal, da substituição de Diretor e de Superintendentes, sem causa e com desvio de finalidade, como reconhecimento posteriormente pelo próprio Supremo Tribunal Federal em decisão proferida no dia 29 de abril que suspendeu a posse do DPF ALEXANDRE RAMAGEM;
QUE perguntado se identificava nos fatos apresentados em sua coletiva alguma prática de crime por parte do Exmo. Presidente da República, esclarece que os fatos ali narrados são verdadeiros, que, não obstante, não afirmou que o presidente teria cometido algum crime;
QUE quem falou em crime foi a Procuradoria Geral da República na requisição de abertura de inquérito e agora entende que essa avaliação, quanto a prática de crime cabe às Instituições competentes;
QUE em agosto de 2019 houve uma solicitação por parte do Exmo. Presidente da República de substituição do Superintendente da Polícia Federal no Rio de Janeiro, RICARDO SAAD;
QUE essa solicitação se deu de forma verbal, no Palácio do Planalto;
QUE não se recorda se houve troca de mensagens sobre esse assunto;
QUE não se recorda se alguém, além do declarante e do Exmo. Presidente da República tenha presenciado essa solicitação;
QUE no entanto, reportou esse fato tanto ao Diretor da Polícia Federal, MAURÍCIO VALEIXO, como ao Dr. SAAD;
QUE os motivos dessa solicitação devem ser indagados ao Presidente da República
QUE, após muita resistência, houve, como dito acima, concordância do Declarante e do Dr. VALEIXO, com a substituição
QUE o presidente, após a concordância, declarou publicamente que havia mandado trocar o SR/RJ por motivo de produtividade;
QUE para o Declarante não havia esse motivo e a própria Polícia Federal emitiu nota pública, informando a qualidade do serviço da SR/RJ, o que também pode ser verificado por dados objetivos de produtividade;
QUE só concordou com a substituição porque o novo SR, CARLOS HENRIQUE foi uma escolha da PF e isso garantia a continuidade regular dos serviços da SR/RJ e a própria Polícia Federal informou na nota acima que ele seria o substituto;
QUE o Presidente, contrariado, deu nova declaração pública afirmando que era ele quem mandava e que o novo Superintendente seria ALEXANDRE SARAIVA;
QUE o Diretor da Polícia Federal ameaçou se demitir e que o Declarante conseguiu demover o Presidente;
QUE tem presente que ALEXANDRE SARAIVA é um bom profissional, no entanto não era o nome escolhido pela Polícia Federal;
QUE o presidente já havia indicado ao Declarante a intenção de indicar ALEXANDRE SARAIVA, mas que da sua parte entendia que a escolha deveria ser da Polícia Federal;
QUE mesmo antes, mas, principalmente, a partir dessa época o Presidente passou a insistir na substituição do Diretor da PF, MAURÍCIO VALEIXO;
QUE essa pressão foi, inclusive, objeto de diversas matérias na imprensa;
QUE conseguiu demover o presidente dessa substituição por algum tempo;
QUE o assunto retornou com força em janeiro de 2020, quando o Presidente disse ao Declarante que gostaria de nomear ALEXANDRE RAMAGEM no cargo de Diretor Geral da Polícia Federal e VALEIXO iria, então, para uma Adidância;
QUE isso foi dito verbalmente no Palácio do Planalto;
QUE, eventualmente o General Heleno se fazia presente;
QUE esse assunto era conhecido no Palácio do Planalto por várias pessoas;
QUE pensou em concordar para evitar um conflito desnecessário, mas que chegou à conclusão que não poderia trocar o Diretor Geral sem que houvesse uma causa e que como RAMAGEM tinha ligações próximas com a família do Presidente isso afetaria a credibilidade da Polícia Federal e do próprio Governo, prejudicando até o Presidente;
QUE essas ligações são notórias, iniciadas quando RAMAGEM trabalhou na organização da segurança pessoal do presidente durante a campanha eleitoral;
QUE os motivos pelos quais o Presidente queria substituir VALEIXO por RAMAGEM devem ser indagados ao Presidente;
QUE RAMAGEM, pela questão da proximidade, o Declarante afirma que o presidente, nessa época, lhe dizia que era uma questão de confiança;
QUE o presidente chegou a sugerir dois outros nomes para Diretor Geral da Polícia Federal, ao invés de RAMAGEM, mas que os nomes não tinham a qualificação necessária, segundo a opinião do Declarante;
QUE, ainda em janeiro, o Declarante sugeriu dois nomes para o Presidente, FABIANO BORDIGNON e DISNEY ROSSETI para substituir VALEIXO;
QUE a troca geraria desgaste para o Declarante, mas, pelo menos, não abalaria a credibilidade da Polícia Federal ou do Governo;
QUE a substituição sem causa do DG e a indicação de uma pessoa ligada ao Presidente e a sua família seriam uma interferência política na PF;
QUE os dois outros nomes eram ANDERSON TORRES e CARRIJO e ambos não tinham história profissional na Polícia Federal que os habilitassem ao cargo, além de também serem próximos à família do presidente;
QUE no começo de março de 2020, estava em Washington, em missão oficial com o Dr. VALEIXO;
QUE recebeu mensagem pelo aplicativo Whatsapp do Presidente da República, solicitando, novamente, a substituição do Superintendente do Rio de Janeiro, agora CARLOS HENRIQUE;
QUE a mensagem tinha, mais ou menos o seguinte teor: “Moro você tem 27 Superintendências, eu quero apenas uma, a do Rio de Janeiro”;
QUE esclarece que não nomeou e não era consultado sobre as escolhas dos Superintendentes; QUE essa escolha cabia, exclusivamente, à Direção Geral da Polícia Federal;
QUE nem mesmo indicou o Superintendente da Polícia Federal do Paraná;
QUE os motivos para essa solicitação entende que devem ser indagados ao Presidente da República; QUE falou sobre a solicitação de troca do Diretor VALEIXO, ainda em Washington;
QUE até aventaram a possibilidade de atender ao Presidente para evitar uma crise;
QUE, no entanto, o Diretor VALEIXO afirmou que não poderia ficar no cargo se houvesse uma nova substituição sem causa do SR/RJ por um nome indicado pelo Presidente da República;
QUE o Diretor VALEIXO declarou que estava cansado da pressão para a sua substituição e para a troca do SR/RJ; QUE por esse motivo e também para evitar conflito entre o Presidente e o Ministro o Diretor VALEIXO disse que concordaria em sair;
QUE nesse momento não havia nenhuma solicitação sobre interferência ou informação de inquéritos que tramitavam no Rio de Janeiro;
QUE, por esse motivo, o Declarante, apesar da resistência, cogitou aceitar as trocas, desde que o substituto do Diretor Geral fosse de sua escolha técnica e pessoa não tão próxima ao presidente;
QUE depois, porém, entendeu que também não poderia aceitar a troca do SR/RJ sem causa;
QUE a partir de então cresceram as insistências do PR para a substituição tanto do Diretor Geral quanto do SR/RJ;
QUE, certa feita, provavelmente, no mês de março o PR passou a reclamar da indicação da Superintendente de Pernambuco;
QUE essas reclamações sobre o superintendente no Estado de Pernambuco não ocorreram anteriormente;
QUE entende que os motivos da reclamação devem ser indagados ao Presidente da República;
QUE é oportuno destacar que as indicações para Superintendentes vêm da Direção Geral, mas passam pelo crivo da Casa Civil e que não houve nenhum óbice apontado em relação a esses nomes;
QUE o Presidente não interferiu, ou interferia, ou solicitava mudanças em chefias de outras Secretarias ou órgãos vinculados ao Ministério da Justiça, como, por exemplo, a Polícia Rodoviária Federal, DEPEN, Força Nacional;
QUE o presidente, apenas uma vez, solicitou a revogação da nomeação de Ilona Szabo para o Conselho Nacional de Política Criminal do Ministério da Justiça, órgão consultivo, e que o Declarante, após relutar, concordou em aceitar a solicitação;
QUE o Declarante perguntado se as trocas solicitadas estavam relacionadas à deflagração de operações policiais contra pessoas próximas ao Presidente ou ao seu grupo político disse que desconhece, mas observa que não tinha acesso às investigações enquanto ainda evoluíam;
QUE crescendo as pressões para as substituições, o Presidente lhe relatou verbalmente no Palácio do Planalto que precisava de pessoas de sua confiança, para que pudesse interagir, telefonar e obter relatórios de inteligência;
QUE perguntado se havia desconfiança em relação ao Diretor VALEIXO, o Declarante respondeu que isso deve ser indagado ao Presidente; QUE o próprio Presidente cobrou em reunião do conselho de ministros, ocorrida em 22 de abril de 2020, quando foi apresentado o PRÓ-BRASIL, a substituição do SR/RJ, do Diretor Geral e de relatórios de inteligência e informação da Polícia Federal;
QUE o presidente afirmou que iria interferir em todos os Ministérios e quanto ao MJSP, se não pudesse trocar o Superintendente do Rio de Janeiro, trocaria o Diretor Geral e o próprio Ministro da Justiça;
QUE ressalta que essas reuniões eram gravadas, como regra, e o próprio Presidente, na corrente semana, ameaçou divulgar um vídeo contra o Declarante de uma dessas reuniões;
QUE nessas reuniões de conselho de ministros participavam todos os ministros e servidores da assessoria do Planalto;
QUE a afirmação do Presidente de que não recebia informações ou relatórios de inteligência da Polícia Federal não era verdadeira;
QUE o Declarante, em relação ao trabalho da Polícia Federal, informava as ações realizadas, resguardado o sigilo das investigações;
QUE o Declarante, por exemplo, fazia como ministros do passado e comunicava operações sensíveis da Polícia Federal, após a deflagração das operações com buscas e prisões;
QUE o Declarante fez isso inúmeras vezes e há mensagens de Whatsapp a esse respeito ora disponibilizadas;
QUE ilustrativamente, isso aconteceu após as buscas e prisões envolvendo o atual Ministro do Turismo e o Senador Fernando Bezerra, mas que essas informações não abrangiam dados sigilosos dos inquéritos;
QUE pontualmente comunicou essas operações antecipadamente, em casos sensíveis e que demandavam um apoio do presidente, como na expulsão do integrante do PCC, vulgo “FUMINHO” de Moçambique;
QUE quanto a relatórios de inteligência, esclarece que a PF não é órgão de produção direta de inteligência para a Presidência da República;
QUE os relatórios de inteligência da Polícia Federal sobre assuntos estratégicos e de Segurança Nacional são inseridos pela sua diretoria de Inteligência no SISBIN e que a ABIN consolida essas informações de inteligência, juntamente, com dados de outros órgãos e as apresenta ao Presidente da República;
QUE o próprio Declarante já recebeu relatórios de inteligência da ABIN que continham dados certamente produzidos pela inteligência da Polícia Federal;