Morador de um condomínio de luxo no bairro Alphaville, Klein é filho do fundador das Casas Bahia. Empresário é acusado de manter esquema de exploração sexual de crianças e adolescentes
O Ministério Público do Trabalho de São Paulo (MPT-SP) processou o empresário Saul Klein, após investigações apontarem a prática de tráfico de pessoas para a submissão a condições análogas às de escravo, com fins de natureza sexual. Morador de um condomínio de luxo no bairro Alphaville, em Barueri, Klein é filho do fundador das Casas Bahia, Samuel Klein (1923-2010).
A ação civil pública foi divulgada na quarta-feira (19). O documento é assinado pelos procuradores Trabalho, Gustavo Accioly, Tatiana Leal Bivar Simonetti e Christiane Vieira Nogueira. Considerando o patrimônio do réu e seu poder econômico, o órgão pleiteou o valor da indenização, de caráter de dano moral coletivo, de R $80 milhões, em virtude da gravidade das condutas do indivíduo.
Segundo o documento, Klein mantinha um esquema estruturado que prometia trabalho a mulheres como modelos em eventos. No entanto, nestas ações, eram visados a exploração sexual de vulneráveis, crianças e adolescentes mediante a prática de crimes de tráfico de pessoas e redução de mulheres à condição análoga à escravidão.
As investigações começaram em 2020, com o recebimento de denúncias de estupro, tráfico de pessoas e favorecimento à prostituição praticado pelo réu, que mantinha uma organização criminosa bem estruturada que arregimentava e prometia trabalho como modelo a jovens e mulheres em vulnerabilidade.
Crimes
De acordo com o MPT-SP, o aliciamento era focado em jovens de 18 anos e adolescentes entre 16 e 17 anos. As moças viviam em situação de vulnerabilidade econômica e social, que eram convidadas a participar de eventos como modelo para fazer “presença vip”, tirar fotos para campanhas de biquíni ou panfletagem. Em seguida, as vítimas eram inseridas no esquema de exploração sexual.
Diversas mulheres vieram de outros estados e de outras cidades do estado de São Paulo, o que evidenciou o tráfico de pessoas. Após o aliciamento, muitas meninas eram seduzidas e persuadidas a participar de eventos no sítio do empresário em Boituva, interior de São Paulo. Nestas ocasiões, elas passavam finais de semana e recebiam pagamento pelos serviços sexuais, que caso se negassem a realizar, eram punidas.
“Algumas vítimas relatam que ficavam mais de 24h trancadas num quarto com o réu, e eram dominadas sexualmente a qualquer hora do dia, mesmo enquanto dormiam, sem qualquer chance de resistência física ou moral”, explica o procurador do Trabalho, Gustavo Accioly.
As investigações também concluíram que após ficarem no sítio, vítimas eram mantidas por semanas sem liberdade e acesso aos meios de transportes, pois não podiam sair do local ou ter qualquer contato com o mundo externo. O espaço era vigiado por seguranças armados 24 horas por dia. A casa era cercada com muros altos e havia pessoas da confiança de Klein organizando todas as atividades. Caso alguém pedisse para ir embora, era imediatamente negado.
Segundo Accioly, “não restam dúvidas de que estamos diante de um grave caso de tráfico de pessoas para fins de trabalho sexual em condições análogos a de escravo”.

Além disso, os procuradores consideraram que os corpos dessas moças aliciadas foram tratados como mercadoria ou moeda de troca para proveito dos exploradores. A condição viola direitos humanos das vítimas, especialmente a liberdade, inclusive a sexual, e a dignidade.
“A Constituição de 1988 tem ojeriza pela cultura do estupro e exalta a dignidade sexual da mulher. É importante deixar claro que a cultura do estupro é considerada um importante pilar da dominação masculina, vinculado a construções de gênero e sexualidade no contexto de sistemas mais amplos de poder masculino e destacam o dano que o estupro faz às mulheres enquanto grupo”, argumenta Accioly.
Ressarcimento por danos morais coletivos
Além dos R$ 80 milhões por danos morais coletivos, o órgão também solicitou junto à Justiça do Trabalho paulista, que condene Samuel Klein por se abster de traficar pessoas, bem como agenciar, aliciar, recrutar, transportar, transferir, comprar, alojar ou acolher pessoa, utilizando-se de formas de coerção com o propósito de explorá-las sexualmente ou em condições de trabalho análoga a escravo.
Além disso, o órgão o indicia por submeter crianças e adolescentes à exploração sexual comercial, de violar a autodeterminação, liberdade e dignidade sexual de pessoas entre outras obrigações. Para cada obrigação descumprida, o MPT pede o pagamento de multa em valor não inferior a R$ 200 mil, por infração e por trabalhador encontrado em situação irregular.
“O desprezo do réu pela dignidade das mulheres, sua autonomia, liberdade e saúde sexual viola o pacto social e normativo de respeito à condição humana. Necessário uma medida contundente de contenção e reparação por todas as práticas repugnantes aqui narradas, sob pena de o Poder Judiciário ser conivente com uma sociedade de mulheres abjetas, negociáveis e mercantilizadas”, afirma o procurador.
Todos os valores ganhos no processo, serão revertidos ao Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) ou outro grupo que tenha como finalidade a de recomposição dos bens lesados. Os beneficiados deverão ser indicados e chancelados pelo Ministério Público do Trabalho de São Paulo.
“O que se combate aqui não é prostituição em si, já que se ela fosse exercida de forma livre, consentida e voluntária, não haveria ofensa à ordem jurídica. Combate-se o ato de se tirar proveito econômico indevido de pessoas forçadas física ou moralmente, mediante abuso, fraude ou engodo, a praticarem atos sexuais sob forte subjugação”, reitera Gustavo Accioly.